O dia que eu coloquei o meu assediador na cadeia | Vida na China

Olá a todos depois de tanto tempo desaparecida! Hoje eu vim, depois de anos e muito atraso, me retratar e atualizar todos que me acompanharam por tantos anos sobre grandes acontecimentos da minha vida. De maneira resumida para contextualizar: em janeiro de 2020 eu me mudei para a China (inicialmente como uma Au Pair e logo me torcei professora de inglês em uma escola de Jardim de infância), trabalhei ilegal, fugi de polícia, me mudei para a Espanha, me mudei para a Alemanha, e agora, quase três anos morando fora, decidi voltar aqui para relatar todas as idas e voltas que dei na minha vida até chegar aonde estou.

Mas, como diria o poeta, primeiras coisas primeiro. Eu já estava vivendo na China havia oito meses e finalmente consegui um bom emprego – muito bem pago, por sinal – e um excelente apartamento. Apesar de viver em Pequim, capital da China, eu estava morando em um bairro super afastado do centro, onde eu era a única estrangeira. Esse fato vai ser muito importante mais a frente, mas tudo o que vocês precisam saber é que eu sou alta, tenho 1,70m de altura, estava loira nível Shakira na época, e claramente me destacava como estrangeira. Todo mundo me conhecia no bairro e sabiam mais ou menos onde eu morava.

Continuando! Eu morava muito perto da escola que eu trabalhava, apenas uma estação de metrô de distância, e normalmente ia caminhando para lá, mas no dia do acontecido eu estava um pouco atrasada e decidi pegar o metrô mesmo. Eu estava tranquila, vestia leggings de academia com um moletom folgado por cima, com meus fones de ouvido ligados, caminhando no meu tempo. Assim que eu saí do trem e comecei a subir a escada rolante para sair da estação (uma escada rolante mais longa que as normais, devo dizer), eu percebi um movimento vindo de trás de mim.

Pequim é uma das cidades mais populosas do mundo, então é natural as pessoas estarem com pressa, correndo de um lado para o outro, por isso que quando percebi um homem correndo até alcançar a escada rolante não prendeu minha atenção por nem meio segundo. Ele começou a subir rapidamente e eu deixei o espaço da esquerda livre para ele passar. Porém ele parou justo atrás de mim. Isso não me causou nenhum desconforto também, porque sempre acontece comigo de eu sentir que não tem espaço suficiente para passar pela esquerda livre, ou que não queria incomodar, ou está tão perto do final que não valeria a pena seguir correndo, então, novamente, não prestei tanta atenção.

Quando estávamos a poucos degraus do fim da escada, ele de repente resolveu me passar correndo, o que foi um pouco estranho, já que ele parou atrás de mim por uns 5 a 10 segundos, apenas. Quando finalmente cheguei ao topo e dei meus primeiros passos eu senti algo estranho. Na parte traseira da minha perna eu senti algo quente e úmido. Sim, você leu certo. Eu olhei para trás curiosa (eu era a única pessoa nos arredores) e vi na minha perna algo que eu não poderia imaginar. O rapaz que estava atrás de mim havia rapidamente se masturbado e ejaculado na minha perna, naqueles poucos segundos em que ele havia parado.

Nessa hora eu entrei em pânico. Comecei a chorar, me senti vulnerável, senti nojo de minha perna e do homem que havia corrido de mim. Na mesma hora liguei para minha colega de trabalho que veio até mim, chamou a minha chefe e elas me ajudaram a ligar para a polícia.

Agora, meus amigos, devo dizer que eu estava em um grande impasse. Eu estava trabalhando ilegalmente na China (história para outro post), e por isso senti muito medo de falar com eles e ser descoberta, mas mesmo assim, fiquei muito assustada.

A maior parte do meu medo era pelo fato de eu morar sozinha onde todos me conheciam, no primeiro andar. E se esse homem já me conhecesse? E se ele morasse nos arredores? E se ele fica obcecado comigo? E se ele me procura de novo? Eu nem sequer reconhecia seu rosto, já que ele estava de máscara atrás de mim, como eu iria me proteger? Meu cérebro estava a mil entre lágrimas, e eu não sabia realmente como agir.

No desespero eu tentei esfregar a minha perna, limpar o que eu poderia, com vergonha das pessoas que passavam em volta, mas mesmo assim ainda tinha o suficiente para ser visto, já que havia sido muito líquido.

Quando a polícia chegou a minha chefe já havia ido comprar uma outra calça para substituir a minha. Eles pediram a calça para tentar identificar o DNA, recolheram as imagens da câmera de segurança, e me levaram em um camburão para a estação de polícia mais próxima. Eu juro, a partir desse momento, tudo foi como um filme. Me levaram até uma sala de interrogatório pequena, com manchas de sangue na parede e tudo o que eu tinha direito enquanto esperava por uma intérprete que pudesse traduzir toda a conversa para mim. Ela, por sinal, foi a melhor coisa que aconteceu no meu dia com tantas palavras doces de conforto, dizendo que sente muito por todo o trauma que passei e por estar tão longe de casa quando mais precisava de acolhimento. E ela estava certa – nessa hora eu, de fato, sentia muito por mim mesma, e principalmente para os próximos dias que, eu não sabia ainda, mas seriam os piores de minha vida, com todo o medo do que aconteceria comigo. Quando o interrogatório começou eu tremia, inteira. Eles começaram me pedindo para contar cada detalhe do acontecido, tentar descrever o homem, que eu, claramente, não podia por ele estar atrás de mim, e mil outras coisas sobre o caminho. Quando eu achava que tudo havia acabado, eles começaram a me perguntar o que eu fazia na China, como ganhava meu sustento, o que fazia, etc. Eram tempos difíceis de pandemia então eu de fato estava presa no país, já que não havia nenhum voo acontecendo para fora do país, o que me ajudou muito nesse momento. Eu comecei a repetir uma mentira que eu já sabia de memória, já que passava dia e noite repetindo na minha cabeça para soar o mais natural possível se um dia eu precisasse. Mas, de fato, nunca imaginei que precisaria tanto!

Quando eles terminaram de interrogar sobre a minha estadia na China, admito que eu me senti ridícula. Senti como isso fosse muito mais importante para eles do que o fato de que um estrangeiro foi assediado por um cidadão enquanto estava no país. Que uma garota havia sofrido por uma situação tão horrível, sozinha, sem família, sem ninguém, e para eles o que importava era quantos estrangeiros eles conseguiriam prender (se vocês não sabem, os policiais chineses na época foram incentivados com uma “recompensa” em dinheiro para quem conseguisse nos encontrar e denunciar).

Sala onde fui interrogada pela polícia.

Nesse dia eu voltei para casa sozinha, no escuro, tarde da noite quando os metrôs já haviam fechado. Foi provavelmente o pior momento da minha vida, quando voltava para uma casa que eu não sabia se era segura, em um país onde eu nunca me senti 100% bem vinda, para uma semana que eu só queria sobreviver sem nenhum outro trauma. Durante 6 dias eu dormi com uma faca debaixo do travesseiro, com cadeiras na frente da porta para trancar melhor, com vassoura prendendo a janela, e bem… Para ser sincera, trocando o dia pela noite. Pedi uma licença no trabalho e ficava literalmente acordada a noite inteira enquanto espera a luz do dia, o barulho na rua, os vizinhos perambulando, e aí sim eu ousava baixar a guarda. Durante a noite eu não assistia nada, não deixava nenhum barulho soar – não queria que soubessem que eu estava em casa, e definitivamente não queria nenhuma distração para caso algo soasse perto da janela e das portas.

Pode ser meu cérebro tentando me deixar à alerta, mas algumas vezes eu realmente ouvi alguém diminuindo os passos e quase parando ao chegar na frente da minha porta. Alguns barulhos estranhos vindo de perto da varanda, no térreo, e nessas horas eu só fazia chorar silenciosamente e enviar minha localização para meus amigos e família. Foi uma semana de terror, quando finalmente no (literalmente) sétimo dia, a polícia me liga novamente.

Essa foi a chamada que eu mais estava ansiosa para receber na minha vida – positiva e negativamente falando. Eles foram bem vagos no telefone, com pouco conhecimento de inglês eles apenas me disseram que me buscariam em casa pela noite e que eu deveria estar pronta, com meu passaporte. Nessa hora eu tive medo: por qual crime eles estão aqui, o meu ou o do homem? E imediatamente liguei para minha colega de trabalho mais próxima de mim e pedi que me acompanhasse, porque tive medo. Fomos juntas e ela ficou do lado de fora me esperando o tempo todo, um alívio. Dentro do camburão, dessa vez, eu estava mais descontraída, pelo menos até o momento que ousei olhar para trás. Para que fui fazer isso? Era um daqueles carros que contém uma espécie de jaula (?), grade no fundo para movimentar os criminosos, e quando olhei notei que no escuro haviam alguns oficiais e alguns homens, algemados. Eu engoli seco e segui todo o percurso calada, tentando me afundar no banco da frente o máximo que podia. Ao chegar parecia, novamente, um filme! alguns jornalistas que não deram a mínima para mim, que saí depois, mas que seguiam com as câmeras filmando seja-lá-quem-for que saiu das grades do carro, algemado. Eu tive medo de ser o homem que me assediou, e essa informação eu nunca obtive.

Ao entrar, novamente fui levada à sala de interrogação onde a mesma intérprete do outro dia me esperava. Eles me pediram para repassar tudo que aconteceu na noite, para confirmar que as informações batiam, e logo anunciaram que prenderam o suspeito, que o DNA batia e que o vídeo de segurança também parecia bater, mas que como prova final eles precisavam que eu o identificasse. Me deram um papel com aproximadamente 30 fotos de prisioneiros, as quais eu olhei super cautelosamente tampando a boca para ter certeza de que eu reconheceria mesmo sem máscara. Claro que não reconhecia, ele estava atrás de mim e até então eu tentei oprimir essa memória mais do que tudo no mundo. Eles, porém, me ofereceram então que eu visse o vídeo da câmera de segurança, e assim que eu vi eu senti propriedade o suficiente para escolher. Apontei sem hesitar para um das fotos, e eles confirmaram que era o mesmo suspeito cujo DNA bateu – ufa, um alívio novamente. O meu assediador tinha sido encontrado. E estava oficialmente fora das ruas.

E para fechar com chave de ouro (contém ironia), no momento que eu estava saindo da sala de interrogatório eu coincidi com alguns oficiais de polícia levando o meu assediador algemado de uma sala para outra. Eu nunca, nunca, vou esquecer o momento que eu olhei para ele e ele olhou para mim de volta. Foi menos de um segundo, mas aquele segundo em que nós dois sabíamos o que tinha acontecido, e sabíamos o que ia acontecer. Nessa hora eu dei alguns passos para trás, me chocando contra a parede e esperei até que ele fosse levado embora.

Sem mais delongas, eles me fizeram algumas perguntas a mais sobre a minha estadia na China e me deram algumas informações sobre o que aconteceria a seguir. O acusado seria levado a tribunal e eu seria informada quando o caso tivesse algum avanço. Alguns meses depois eu recebi uma carta que confirmou: o homem pegou três anos de cadeia e algumas outras coisas, que eu sinceramente não dava a mínima. A euforia de saber que eu estava bem, segura e que não corria mais risco foi gigante no primeiro momento (claro que meu cérebro me levou a lugares profundos, como “e se ele tinha parceiros?”, “e se alguém quer se vingar dele ter ido à cadeia?” mas claro que essas coisas estavam fora de questão).

Foto do meu assediador.

E foi assim que um dos piores episódios da minha vida acabou. Eu passei por isso, mas fico imensamente feliz de saber que o crime dele não ficou por isso (mesmo que eu ache que ele deve ser possivelmente alguém com a cabeça adoecida para fazer algo assim). São tão outros casos, tantos até mais agressivos que o meu, que acabam nunca sendo resolvidos e que a pessoa vive com o medo que eu vivi para sempre. Eu não conseguiria. Não conseguiria dormir em paz, sozinha, se isso não tivesse chegado ao fim.

Assim como essa, existem várias outras histórias de coisas absurdas que eu passei na China e em minhas outras viagens e que eu definitivamente quero trazer aqui em algum momento. Espero que tenha cumprido com meu objetivo de entretê-los, e por favor, deixa aqui um comentário para eu saber que vocês continuam acompanhando o projeto Upendista.

Até a próxima!

2 comentários sobre “O dia que eu coloquei o meu assediador na cadeia | Vida na China

  1. Meu Deus, Lua 😨

    Que mundo miserável esse que nós vivemos. Já é uma tristeza passar por isso no seu país de origem, com família e amigos próximos. Eu não consigo nem imaginar a sensação de sofrer um abuso desses e se preocupar com o fato de estar ali ilegalmente. Sinto muito pelo que aconteceu, de verdade.
    Fico feliz de saber que tu está bem. Fico feliz de saber que conseguiu realizar os teus planos desde que te conheci e a seu blog.

    Problemas do passado à parte, estou feliz de ver o tu aqui no blog de novo. Conheci seu blog em uma época ótima da minha vida no passado e sempre que entro aqui me da uma nostagial muito boa.

    Bem-vinda de volta. Estamos ansiosos pelas outras historias… e espero que sejam melhores que essa kkkk

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  2. Não consigo nem imaginar como eu me sentiria estando em uma situação dessas e sem o apoio emocional da minha família e amigos. Felizmente as autoridades conseguiram prendê-lo, mas ainda assim, todo esse sentimento de insegurança, repulsa e nem sei mais o quê, é uma coisa terrível. Espero que possa compartilhar mais experiências com a gente e que elas sejam mais positivas. Abçs

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